Crimes Morais
Alguém  entra na sua casa, rouba suas coisas, agride você. Esse alguém cometeu,  de uma só vez, vários crimes. Previstos em vários artigos da  Constituição. Alguém entra na sua vida, rouba seu tempo, destrói sua  confiança, agride sua auto-estima, estilhaça o pouco que resta da sua  confiança no amor. E sai ileso. Mas não seria esse o pior crime que  alguém pode cometer contra outra pessoa? Agressão só é penalizada quando  alguém encosta a mão em alguém? Como se pune quem causa uma ferida que  não está exposta? Acredito que tomar uma surra de um boxeador deve doer  menos do que ser traído.
A  dor física passa em algumas horas ou, em casos mais graves, alguns  dias. Pra dor física, existe remédio. Pras feridas, existe curativo. Mas  quem cura a dor de um coração destruído? Como se cura a dor de uma  confiança perdida? O que fazer com as feridas cravadas na alma de alguém  que sai na rua descrente do mundo? Como penalizar o agressor que, sem  usar mãos, armas ou objetos cortantes e pontiagudos, causou ferimentos  graves em alguém? Por que ninguém previu isso na lei? As pessoas lotam  os consultórios psiquiátricos, se entorpecem de remédio pra ansiedade,  remédio pra depressão, remédio pra pressão, remédio pra dormir, remédio  pra acordar. Remédio pra viver. Pra fazer viver quem quer morrer.  Remédio pro irremediável. Pra dor que não passa. Pra ferida que ninguém  vê. Vãs tentativas de resolver o caos interno. As pessoas tentam  remediar uma dor que parece que nunca vai ter fim, um sofrimento que vem  de dentro. Bem fundo. Tão fundo que nenhum remédio ou substância tóxica  é capaz de alcançar. Entendo perfeitamente crimes passionais. Entendo  perfeitamente quando minha amiga diz que não consegue conversar mais com  o ex-namorado porque ela tem vontade de bater nele. Entendo meu amigo  que diz que preferia ver a namorada morta do que com outro.  Sinceramente, entendo.
Quando  alguém te machuca, te decepciona, te magoa, a dor é tão grande que você  quer agredir a pessoa de volta. Você se sente impotente. Enganado.  Ferido. Frustrado. Dá vontade de matar. De morrer. De sumir. Seu mundo  desaba bem na sua frente. Você sente que perdeu seu tempo, sua vida, sua  auto-estima, suas forças. E qual a pena pro agressor nesse caso? Qual a  pena pra alguém que entrou na sua vida, na sua casa, nos seus sonhos,  nos seus planos e, num piscar de olhos, destruiu tudo como se tivesse  esse direito? O que sempre falo com meus amigos (como se conselho  valesse de alguma coisa) é que vingança não é remédio. Nem fazer justiça  com as próprias mãos. Acredito que o tempo se encarrega disso. Acredito  que pessoas que usam da confiança e boa vontade das outras nunca vão se  dar bem na vida. Ou não vão ser felizes. Ou nunca vão conseguir amar de  verdade. Ou não mereciam a gente. Ou que a gente deve agradecer por ter  se livrado de um encosto. Ou sei lá o que. Nunca fui boa conselheira.  Talvez essas sejam as formas da vida punir quem brinca com o coração dos  outros. Não sei mesmo. Em todo caso, deseje o mal de volta pra pessoa.  Não por vingança. Só pra ver se ela é forte como você.
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário